Nenúfares

Nenúfares
Monet

terça-feira, 1 de junho de 2010

Faces da palavra

       A palavra tem gosto, tem forma, tem idade. A palavra é gente. Ora, até nome ela tem. Itaquaquecetuba, desterritorialização, inconstitucionalissimamente são aquelas palavrinhas que fazem o sujeito engasgar.
       Há as que são docinhas, interioranas, brasileiras, manhosas, apaixonadas: amorzinho, florzinha, benzinho. Todos os "inhos" que lhes conferem certa particularidade e as torna diferentes do Português da terra do Saramago.
     As palavras envelhecem também. Guiso, mata-borrão, suspensório têm uma idade avançada. Permanecem nos livros, letras de música e na memória de quem viu o país pintar as caras e de quem viu um muro ser destruído. Outras palavras: borracha, lápis, compasso, parábola; podem ser de muita gente - criança, desenhista, matemático, gramático.
     E muita gente pode ser das palavras: Aurélio, Borges, Mindlin. Algumas habitam nosso corpo. Raiva, inveja, despeito e afins ficam ali pertinho do fígado. Carregam amargor por onde passam.
     Bombom, kiwi, pirulito, bolo - estas ficam nos olhos. Podemos vê-las quando bem entendemos. Dos olhos, vão direto para língua. Dançam na ponta, descem até a campainha e pegam impulso para chegarem ao céu. Grudam nas estrelas invisíveis e quando não podem mais, deixam-se cair e misturando-se à saliva, atravessam com suavidade a garganta.
     E antes mesmo de chegarem ao estômago, outras estão à sua espera. O medo, fundamental à nossa sobrevivência, fica de tocaia. Ao menor sinal de afoiteza, ele se manifesta.
     A saudade, carregada por borboletas azuis, causa sensação de frio. Pode ser saudade de quem mora perto, longe; de quem acabou de sair, de quem não vai voltar; de quem está distante, mesmo próximo. Pode ser doce, amena, dolorida. Mas é sempre verdadeira assim como o sabor que se inicia nos olhos.

Vera V.



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