Nenúfares

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Monet

quarta-feira, 16 de junho de 2010

“O moral do time está elevado”

O prezado leitor certamente sabe que, quando se fala do gênero das palavras, fala-se de masculino e feminino. E sabe também que, em alguns casos, a questão é delicada. Um desses casos é o da palavra “moral”, cujo gênero depende do sentido. Outra da turma é “grama”: quando nome de vegetal, é feminina (“O frio queimou a grama do jardim”); quando unidade de massa, é masculina (“O grama do ouro custa...”).
Muitas dessas duplas são bem conhecidas e usadas regularmente, o que dispensa explicações: “o/a estepe”, “o/a coral”, “o/a capital”, “o/a cabeça”, “o/a rádio” etc. Mas há casos em que pelo menos uma das palavras que formam o par é de uso mais raro: “o lente” (que pode ser “aquele que lê” ou “professor de certa graduação”) e “a lente” (que, além de feminino de “o lente”, é instrumento óptico utilizado em óculos, câmeras, microscópios etc.); “o baliza” (“soldado que indica os movimentos que a tropa deve realizar”) e “a baliza” (“qualquer objeto que assinale um limite”).
O caso de “moral” é interessante. Seus dois sentidos básicos (“código de princípios”, “honestidade” e “ânimo”, “estado de espírito”) são bem conhecidos, mas, no uso comum, o gênero sofre alguma oscilação. Com o sentido de “código de princípios”, não há dúvida: a palavra é feminina (“Sua atitude fere a moral vigente”). No caso de “estado de espírito”, “ânimo”, no entanto, o uso cotidiano aponta para o feminino (“As vitórias levantaram a moral do time”; “Os jogadores estão com a moral elevada”), o que não confirma o que se lê nas gramáticas e nos dicionários, que registram o que se encontra na variedade culta da língua, isto é, dão o termo como masculino (“As endomorfinas podem contribuir para elevar o moral do paciente”; “O vestido atua imperiosamente sobre o moral do indivíduo” _o primeiro exemplo é do “Houaiss”; o segundo é de Camilo Castelo Branco, citado pelo professor D. P. Cegalla).
Convém não esquecer que “moral” também pode funcionar como adjetivo, caso em que é uniforme, ou seja, tem forma única para masculino e feminino: “Isso é uma questão moral”; “Isso é um problema moral”.
Quando procurar “moral” num dicionário, é bom tomar cuidado. Se o primeiro sentido registrado é o do adjetivo, surgirá a indicação “2g.” (dois gêneros). Mas cuidado: isso vale para o adjetivo, que, como já vimos, é uniforme. Quando se dão as explicações sobre o substantivo, também é preciso tomar cuidado com o que se indica em relação ao gênero e ao significado.
Outro caso polêmico é o da palavra “dó”, que no dia a dia costuma aparecer como feminina (“a dó”), por mais que dicionários e gramáticas digam que é masculina (“o dó”). Parece que, na língua viva, na língua de hoje, o gênero de “dó” foi contaminado pelo de “pena”, um de seus sinônimos. Nos textos clássicos, no entanto, aparece como masculina, como se vê neste exemplo de A. F. de Castilho, citado pelo filólogo Antônio da Cruz e transcrito por Celso P. Luft: “Transluz o seu dó para com os judeus”.
A esta altura, convém lembrar que não existe explicação lógica ou racional para o gênero das palavras. Qualquer tentativa de comprovação lógica do porquê de uma palavra ser feminina ou masculina é pura perda de tempo. Em português, “leite” e “sal” são palavras masculinas; em espanhol (“leche” e “sal”), são femininas. Em português, “ponte” é palavra feminina; em italiano, é igualzinha (escreve-se “ponte”, que se lê “pónte”), mas é masculina. É por isso que em Florença, uma das cidades mais fascinantes do planeta, existe um lugar chamado “Ponte Vecchio” (“Ponte Velha”, em português). O adjetivo feminino é “vecchia”.
Gênero não se explica, não se comprova “cientificamente”. Não é questão matemática; é apenas resultado do uso. Que uso? Depende. Em se tratando de língua culta, vale o que se registra na linguagem culta formal, é claro.

Pasquale Cipro Neto

Um comentário:

  1. Sabe que palavra me causa nó no cérebro de tanto eu tentar saber se é feminina ou masculina? Alface.Nunca sei.
    Moral também me deixa de saia justa. O Cebolinha tem um amigo chamado Alfacinha. Se for 'o' alface, me lembrarei dele. Mas se for 'a' alface, pensarei nele também, mas de uma forma gay.

    Beijo.

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