Nenúfares

Nenúfares
Monet

domingo, 3 de julho de 2011

Entre começos e fins

Mas talvez o fim de um amor
seja um fenômeno tão misterioso quanto o apaixonamento. Talvez existam duas
mágicas opostas, igualmente incontroláveis, uma que faz e outra que desfaz.
Contardo Calligaris



 
Ficar sozinha não era mais uma exceção.
Gostava do silêncio, da casa organizada e limpa. O mundo inerte, sem o alvoroço da juventude. Solidão tem muito de liberdade, mas também de aprisionamento, pensou. Sentia-se flagelada pelos desejos. Havia tantos quereres! Poderia escolher qualquer um deles, para realizar. Mas perdia-se. O que era mesmo que ia fazer agora? Voltou ao Retrato de Dorian Gray, que terminava de reler.  O ex tinha lido o mesmo exemplar. Maria folheou novamente o livro, para memorizar as frases sublinhadas por ele, com caneta de ponta grossa e as devidas anotações críticas, ao lado.  Era uma forma transversa de infiltrar-se em sua natureza misteriosa... Ela intuía algumas coisas dele, baseada em seus hábitos, mas sua penetração não atravessava a epiderme da alma. Homem de natureza impenetrável. Abriu o livro
numa página qualquer: "A única maneira de libertar-se de uma tentação é entregar-se a ela. Resista, e sua alma adoecerá de desejo das coisas que ela a si mesma se proibiu, com o desejo daquilo que suas leis monstruosas tornaram monstruoso e ilícito." Por um instante, o pensamento ficou vazio.
Concentrou-se na frase: ... "A única maneira de libertar-se de uma tentação é entregar-se a ela."  Foi o que ele fez.. Rendeu-se sem rédeas ao braseiro impetuoso que era o  entre-coxas da outra.  A mais branca de todas. A menos bonita. Porém, a mais doida.
Teresa Magalhães