Magnólia nasceu velha. A noite escura e chuvosa camuflou o susto da família que esperava o choro do bebê. Ventava muito. Ninguém nada não dizia com som de voz. O pensamento boiava obscuro. A mãe, renitente, olhava as mãozinhas trincadas, os lábios desenhando o formato côncavo da boca, o narizinho afilado e adunco, perdido entre rugas. O nome de flor – Magnólia -era uma aragem de esperança de que a garotinha florescesse vistosa e perfumada, nem que pelo ligeiro tempo das plantas. Pois. A amarfanhez da pele logo se dissolveu. Desencrespou primeiro o rosto, onde salientavam as bochechas rosadas e os olhos muito redondos, trigosos. Rejuvenescia à medida em que medrava.
A casa em que moravam era simples e ampla. Arejada. O mobiliário rústico de madeira escura, a louça branca, as toalhas muito claras e engomadas quebravam a austeridade do ambiente. Localizada no Arraial da Conceição, lugarejo remansado, onde mero trinado de passarinho era o bastante para quebrar a monotonia. A notícia do nascimento de Magnólia se espalhou velozmente. As primeiras visitas foram atraídas pela insólita novidade: o bebê velhinho. Os que vieram depois, pasmaram-se com o frescor de sua pele, e atribuíam ao zelo materno o rejuvenescer da criança. Era extremosa a dona Leda. Rica em minúcias, esmerava-se nos detalhes. E o perfume? O espaço foi dominado por uma fragrância suave e agradável, que atravessava as janelas e alcançava a rua. Ganhou fama.
Era a vez das felicidades. Quando a Lua rebrilhava no quintal, o verde ondeava ao vento e levava os perfumes, sobrevoava a horta e pasto e campo e o rocio da madrugada. A noite, se fazendo dia, esparramava o júbilo da casa. A alegria e os matizes aromáticos. A família rememorava antigos pais passados que partiram. A herdade ficou no sangue e no correr da língua da trisneta. Assim foi. Magnólia vicejou cheirosa e falante. Trazia do fundo do íntimo o legado da trisavó. Solfejava no campanário do tempo.
- Havéra de ser assim, ruminava a mãe com seus botões, quando um friinho fino trouxe do ontem o perfume doce da avó.
Mas não ficou bem desse modo e jeito. Magnólia, nem passados dez anos, voltou a envelhecer. A pele, de formosa e lisa, engruvinhou-se novamente e a sua mão ficou rugosa e fechada. Os pés pareciam um jenipapo amadurecido e redondo. E o nariz cresceu, provocado pelo renitente perfume que invadia os lugares por onde ela passava. Entontecia com os odores que a rodeavam. A natureza sábia tratou de criar uma defesa, para que o mundo parasse de rodar. Nasceram-lhe pêlos, muitos pêlos, no vão das narinas. Aos dez anos, Magnólia aparentava uma velhinha de 80. A notícia correu o povoado. Desde parteiras, benzedeiras, rezadores, raizeiros, passando pelo prático da farmácia, todos entraram em polvorosa excitação, afundando no medo de que o mal jamais seria debelado. . Pois a filha, não tinha dúvida a mãe, padecia de uma enfermidade , que ela enxergava ser velhice precoce, tal o estado do rosto, da pele do corpo. No fundo, sabia que essa doença era de morte, sem chance de recuperação nenhuma. O relógio do corpo corria ligeiro e se cansaria logo, para o desolamento dos que a amavam.
Teresa Magalhães