Nenúfares

Nenúfares
Monet

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Amores Líquidos



O título do livro Amor Líquido, do sociólogo polonês Zigmunt Bauman, é sugestivo e, sobretudo, apropriado para um sentimento que não se submete docilmente a definições.(...)
A noção de liquidez, quando se refere às relações humanas, tem um sentido inverso ao empregado nas relações bancárias, a disponibilidade de recursos financeiros. A liquidez de quem tem uma conta polpuda no banco, acessível a partir de um comando eletrônico é capaz de tornar qualquer desejo uma realidade concreta. É um atributo potencializador. O amor líquido, ao contrário, é a sensação de bolsos vazios.(...)

Esse mundo líquido, em que as relações se estabelecem com extraordinária fluidez, que se movem e escorrem sem muitos obstáculos, marcadas pela ausência de peso, vive em constante e frenético movimento.  A rapidez da troca de informações e as respostas imediatas que esse intercâmbio acarreta nas decisões diárias; qualidades e produtos que ficam obsoletos antes do prazo de vencimento; a incerteza radicalizada em todos os campos da interação humana; a falta de padrões reguladores precisos e duradores; são evidências compartilhadas por todos os que estão neste barco do mundo pós-moderno. Se esse é o pano de fundo do momento, ele vai imprimir sua marca em todos as possibilidades da experiência, inclusive nos relacionamentos amorosos. O sociólogo Zygmunt Bauman mostra como o amor também passa a ser vivenciado de uma maneira mais insegura, com dúvidas acrescidas à já irresistível e temerária atração de se unir ao outro. Nunca houve tanta liberdade na escolha de parceiros, nem tanta variedade de modelos de relacionamentos, e, no entanto, nunca os casais se sentiram tão ansiosos e prontos para rever, ou reverter o rumo da relação.
O apelo por fazer escolhas que possam num espaço muito curto de tempo serem trocadas por outras mais atualizadas e mais promissoras, não apenas orientam as decisões de compra num mercado abundante de produtos novos, mas também parecem comandar o ritmo da busca por parceiros cada vez mais satisfatórios. A ordem do dia nos motiva a entrar em novos relacionamentos sem fechar as portas para outros que possam eventualmente se insinuar com contornos mais atraentes, o que explica o sucesso do que o autor chama de casais semi-separados. Ou então, mais ou menos casados, o que pode ser praticamente a mesma coisa. Não dividir o mesmo espaço, estabelecer os momentos de convívio que preservem a sensação de liberdade, evitar o tédio e os conflitos da vida em comum podem se tornar opções que se configuram como uma saída que promete uma relação com um nível de comprometimento mais fácil de ser rompido. É como procurar um abrigo sem vontade de ocupá-lo por inteiro. A concentração no movimento da busca perde o foco do objeto desejado. Insatisfeitos, mas persistentes, homens e mulheres continuam perseguindo a chance de encontrar a parceria ideal, abrindo novos campos de interação. Daí a popularidade dos pontos de encontros virtuais, muitos são mais visitados que os bares para solteiros, locais físicos e concretos, onde o tête à tête, o olho no olho é o início de um possível encontro. Crescem as redes de interatividade mundiais onde a intimidade pode sempre escapar do risco de um comprometimento, porque nada impede o desligar-se. Para desconectar-se basta pressionar uma tecla; sem constrangimentos, sem lamúrias, e sem prejuízos. Num mundo instantâneo, é preciso estar sempre pronto para outra. Não há tempo para o adiamento, para postergar a satisfação do desejo, nem para o seu amadurecimento.É preciso se ligar, mas é imprescindível cortar a dependência, deve-se amar, porém sem muitas expectativas, pois elas podem rapidamente transformar um bom namoro num sufoco, numa prisão. Um relacionamento intenso pode deixar a vida um inferno, contudo, nunca houve tanta procura em relacionar-se. (...) Bauman vê homens e mulheres presos numa trincheira sem saber como sair dela, e, o que é ainda mais dramático, sem reconhecer com clareza se querem sair ou permanecer nela. Por isso movimentam-se em várias direções, entram e saem de casos amorosos com a esperança mantida às custas de um esforço considerável, tentando acreditar que o próximo passo será o melhor. A conclusão não pode ser outra: “a solidão por trás da porta fechada de um quarto com um telefone celular à mão pode parecer uma condição menos arriscada e mais segura do que compartilhar um terreno doméstico comum”.
Fonte:  Jornal Gazeta Mercantil

3 comentários:

  1. Seu post é a minha primeira experiência de leitura sobre o autor e a obra.
    No entanto, uma outra amiga já havia comentado sobre ele.
    O texto é válido tanto pelo tema abordado, quanto pela forma descomplicada como discute o amor.
    Gostei mesmo.

    Beijo.

    ResponderExcluir
  2. Interessante o título, gostei muito, achei exótico. rs
    Penso que um "amor líquido" seja algo com o qual a pessoa não procura se apegar, é fluído e tudo, com todas aquelas coisas 'fofinhas e meigas', mas que alguém praticante desse amor prefere manter os pés no chão. Curti.

    beijo grande [e desculpa por não falar com você ao telefone rs]

    ResponderExcluir
  3. excelente matéria e muito competente o articulista. pena não saber quem é. "É como procurar um abrigo sem vontade de ocupá-lo por inteiro ". eu sugeriria a Bauman, incluir sem vontade OU VALER À PENA.
    o Arthurzinho Schop já tocava nisso "amar sem muitas expectativas".

    ResponderExcluir

Obrigada por comentar.