Nenúfares

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Monet

terça-feira, 7 de junho de 2011

A crise da multitarefa


O Outono da Multitarefa

A Neurociência confirma o que todos suspeitamos: a multitarefa está nos deixando mais lentos e  loucos. A odisseia de um homem por meio do
pesadelo da conectividade infinita.

Por WALTER KIRN


A Recessão do Déficit de Atenção.


Todos nos lembramos das promessas. Dos slogans. Falavam de liberdade, liberação. Supostamente, estávamos de algemas e queríamos tirá-las. A chave que chacoalhava na nossa frente era um microchip.

"Aonde você quer ir hoje?"-perguntava a Microsoft numa campanha publicitária em meados dos anos 1990. A sugestão é de que haveria infindáveis destinos - alguns geográficos, alguns sociais, outros intelectuais - que poderiam ser alcançados em milissegundos ao se utilizar o aparelho certo com o software apropriado. Era também insinuado que onde você ia era totalmente por sua conta, não da sua esposa, do seu chefe, dos seus filhos ou do seu governo. Autonomia através da Automação.

Esta foi a falácia embrionária que se tornou no monstro da multitarefa.

Liberdade humana, como classicamente definida (pensar e agir e escolher com mínima interferência de poderesexteriores), não é um produto que marcas como Microsoft poderiam oferecer, mas eles a relançaram como algo que poderiam prover. Um produto para o qual poderiam aumentar a demanda através do refinamento de suas características, aumentando sua velocidade, reestilizando sua aparência e conectando-o com todos os outros produtos que também prometiam liberdade, mas a trocaram por três substitutos inferiores que poderiam promover em seu nome: Eficiência, conveniência e mobilidade.

Para provar que esse cacho de virtudes menores não se somam à felicidade mas são, ao invés, a fórmula para um período de frenesi crescente culminando num lapso de fadiga, considere que "Aonde você quer ir hoje?" era na verdade uma sugestão manipuladora, não uma questão aberta. "Vá a algum lugar agora", era a recomendação veemente, e então vá a algum lugar amanhã, mas sempre vá, vá, vá - e com nossa ajuda. Mas algum rebelde respondeu "Lugar nenhum. Estou bem aqui"? Alguém corajosamente questionou "O que te importa?" Alguém teve bravura suficiente para dizer: "Francamente, quero voltar para a
cama"!

Talvez alguns de nós. Não o suficiente. Todo mundo estava indo a algum lugar, pelo que parecia, e ou começávamos a ir também - especialmente para aqueles lugares que não eram lugares (outra palavra que eles redefiniram) mas eram apenas figuras ou documentos ou vídeos ou caixinhas na tela onde estranhos conversavam digitando - ou então não estaríamos em lugar nenhum (um local que já foi conhecido como "aqui") e não fazendo nada (atividade anteriormente conhecida como "vivendo"). Que desperdício seria. Que desperdício da nossa nova liberdade.

Nossa liberdade de ficar ocupado todas as horas, na tarefa - e então nas muitas tarefas e finalmente na multitarefa - de tentar ser livre.

                           * * *

Enquanto o presidente falava no telefone (Srta. Lewinsky supunha que o interlocutor era um Membro do Congresso ou um Senador), ela realizava sexo oral nele.

- The Starr Report, 1998

Não funciona, nem nunca funcionou, e, apesar de ainda fazermos força para que funcione e intrigados em por que ainda não paramos, o que nos faz pensar que podemos continuar para sempre, a parada ou desacelerada está vindo de qualquer modo e, quando chegar, ficaremos estarrecidos por um momento e então reconheceremos que, bem dentro de nós mesmos (um lugar que quase esquecemos que existia), sempre soubemos que não poderia funcionar.

Os cientistas também sabem disso e eles pensam que sabem o porquê. Através de diversos experimentos, muitos usando ressonância magnética funcional para medir a atividade cerebral, eles arrancaram a máscara da multitarefa e revelaram sua verdadeira face, pálida, vazia e sem graça.

A multitarefa desorganiza o cérebro de diversas maneiras. No nível mais básico, o balanço mental que ela requer - a mudança constante de eixo - energiza regiões do cérebro especializadas no processamento visual e coordenação física e simultaneamente aparenta diminuir algumas das áreas superiores, relacionadas ao aprendizado e memória. Nos concentramos no ato da concentração à custa do que quer que seja que deveríamos estar nos concentrando.

O que isso significa na prática? Considere um experimento recente feito pela UCLA [Universidade da Califórnia, Los Angeles], em que pesquisadores pediram a um grupo de vinte e poucas pessoas para pôr em ordem cartões indexados em duas tentativas, uma vez em silêncio e outra enquanto simultaneamente ouvindo uma sequência de sons aleatoriamente apresentados. Os cérebros dos sujeitos lidaram com a tarefa adicional alternando a responsabilidade do hipocampo - que retém e invoca informações - para o striatum, que cuida de atividades rotineiras, repetitivas. Graças a essa mudança, os sujeitos conseguiram organizar os cartões tão bem quanto com a distração musical - mas tiveram muito mais dificuldade em lembrar o que, exatamente, que estavam pondo em ordem, após o experimento.
Ainda pior, alguns estudos acham que a multitarefa aumenta o nível de hormônios relacionados ao estresse, como cortisol e adrenalina, e desgastam nosso sistema através de uma fricção bioquímica, envelhecendo-nos prematuramente. A curto prazo, a confusão, fadiga e caos apenas bloqueiam nossa habilidade de foco e análise, mas a longo prazo, talvez causem sua atrofia.

A nova geração, presumivelmente, é a que sofre o maior golpe. Eles que estão na vanguarda da revolução da multitarefa, mandando mensagens enquanto baixam música em seus iPods e atualizam seu status do Facebook e fazem a lição de casa enquanto assistem a um episódio de The Hills na TV cintilante. (Um estudo recente da Kaiser Family Foundation mostra que 53 por cento dos estudantes do sétimo ano ao terceiro colegial dizem consumir algum outro tipo de mídia enquanto assistem TV; 58 por cento fazem multitarefas enquanto leem; 62 por cento enquanto usam o computador; e 63 por cento enquanto ouvem música. "Fico entendiado se não está acontecendo tudo ao mesmo tempo", diz um jovem de 17 anos citado no estudo). São deles os cérebros que, ainda imaturos, estão sendo moldados para processar informação ao invés de entendê-la ou sequer lembrar-se dela. (...)

Tradução de Lucas Magalhães Araújo